Estudo sobre Personagens Sobre a Vida e o Desespero
A Bíblia, como um compêndio de narrativas que espelham a complexidade da condição humana, certamente não se esquiva de abordar os momentos mais sombrios da vida, incluindo o desespero que leva ao suicídio. Frequentemente, muitas pessoas buscam por versiculos sobre suicidio esperando encontrar uma condenação ou permissão explícita; no entanto, o que elas encontram são narrativas.
De fato, a Escritura apresenta relatos factuais de indivíduos que tiraram a própria vida sem emitir um julgamento teológico direto sobre o ato em si. Consequentemente, ao analisar essas histórias, nós podemos discernir motivações profundamente enraizadas em contextos de honra militar, fracasso político, vergonha insuportável e remorso avassalador, oferecendo assim um vislumbre das pressões sociais e pessoais da antiguidade.
Análise dos Personagens
Abimeleque: A Fuga da Desonra em Batalha
Primeiramente, no livro de Juízes (9:54), nós encontramos a história de Abimeleque, filho de Gideão. Como um líder impiedoso e ambicioso, o assassinato de seus próprios irmãos marcou sua ascensão ao poder. No entanto, sua queda se revelou igualmente dramática.

Durante o cerco à cidade de Tebes, por exemplo, uma mulher atirou uma pedra de moinho do alto de uma torre, ferindo-o mortalmente. Naquele momento, Abimeleque confrontou o que, para um guerreiro de sua época, seria o cúmulo da humilhação.
Portanto, para evitar o estigma póstumo de que uma mulher o derrotou, ele ordena a seu escudeiro que o mate com a espada. Em outras palavras, sua motivação não era o sofrimento do ferimento, mas sim a preservação de sua honra e legado guerreiro.
Saul e seu Escudeiro: O Desespero do Rei Derrotado
Em seguida, a Bíblia narra a morte de Saul, o primeiro rei de Israel, como um dos relatos mais trágicos e detalhados (1 Samuel 31:3-5). No clímax de uma batalha perdida contra os filisteus no Monte Gilboa, Saul se vê gravemente ferido e, além disso, totalmente encurralado.

Diante da inevitável captura, ele vislumbra a tortura e a humilhação que seus inimigos lhe infligiriam. Por conseguinte, em um ato de desespero para manter o controle sobre seu próprio fim, ele pede a seu escudeiro que o mate. Diante da recusa do leal servo, Saul se lança sobre sua própria espada.
Logo depois, o escudeiro, tomado pela dor e pela lealdade ao seu rei, segue o mesmo destino. Claramente, a principal causa aqui é a fuga da agonia e da desonra nas mãos do inimigo.
Aitofel: A Consequência da Traição e do Orgulho Ferido
Aitofel, por sua vez, surge como outro exemplo notável, um conselheiro a quem as pessoas reverenciavam por uma sabedoria comparável a consultar o próprio Deus (2 Samuel 17:23). Contudo, ele trai o Rei Davi ao se aliar à rebelião de Absalão.

Quando outros rejeitam seu conselho estratégico para aniquilar Davi em favor de outra sugestão, Aitofel, com sua aguçada inteligência política, imediatamente percebe que a revolta está fadada ao fracasso e que sua traição não terá perdão.
Além disso, o peso da rejeição de seu conselho feriu profundamente seu orgulho. Assim, vendo sua ruína como certa, ele retorna para casa, coloca seus assuntos em ordem de forma metódica e se enforca. Em suma, seu ato representa uma decisão calculada, nascida da vergonha e da certeza de sua queda iminente.
Zinri: O Fim de um Reinado de Sete Dias
Similarmente, a história de Zinri no livro de Reis (1 Reis 16:18) ilustra como a ambição desmedida pode levar à autodestruição. Após assassinar o rei Elá e usurpar o trono, seu reinado dura apenas sete dias. Imediatamente, o exército de Israel se volta contra ele e cerca a cidade onde ele estava.

Percebendo que sua derrota era inevitável e que seu poder efêmero havia se esvaído, Zinri não tenta fugir ou se render. Em vez disso, ele se fecha no palácio real e ateia fogo à estrutura, morrendo nas chamas. Assim, sua morte resulta diretamente do fracasso de seu golpe de estado e de sua recusa em enfrentar a captura e a execução.
Sansão: O Sacrifício Final de um Herói Caído
A morte de Sansão, por outro lado, apresenta um caso complexo (Juízes 16:28-30), que muitos interpretam mais como um ato de sacrifício do que um suicídio convencional, embora represente uma ação deliberada que resultou em sua própria morte.

Depois que os filisteus o traíram, cegaram e humilharam, eles o exibem como um troféu em um festival pagão. Naquele momento de maior fraqueza física, ele clama a Deus por uma última demonstração de força.
Subsequentemente, ele derruba as colunas principais do templo, matando a si mesmo e a milhares de seus inimigos. Essencialmente, a motivação primária de Sansão era a vingança e o cumprimento de seu chamado como juiz de Israel, transformando sua morte em um ato final de guerra contra os opressores de seu povo.
Judas Iscariotes: O Peso Insuportável do Remorso
Finalmente, o Novo Testamento narra a trágica morte de Judas Iscariotes (Mateus 27:3-5). Após trair Jesus por trinta moedas de prata, um remorso avassalador domina Judas ao testemunhar a condenação de Jesus. Ele tenta, sem sucesso, reverter seu ato devolvendo o dinheiro.

Rejeitado e, acima de tudo, incapaz de lidar com a magnitude de sua culpa, ele se retira e se enforca. Em suma, a causa de sua morte reside no desespero profundo e na incapacidade de encontrar um caminho para o perdão ou para viver com o peso de sua traição.
O Suicídio como Questão de Saúde Pública Global e no Brasil
O suicídio é um grave problema de saúde pública que ceifa centenas de milhares de vidas anualmente em todo o mundo, exigindo uma resposta coordenada e multissetorial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700.000 pessoas morrem por suicídio a cada ano, sendo a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos ¹. Globalmente, a taxa de mortalidade por suicídio foi de 9.2 por 100.000 habitantes em 2021.
No Brasil, os dados também são alarmantes. Em 2021, o país registrou uma taxa de mortalidade de 7,6 por 100.000 habitantes, de acordo com dados do Banco Mundial ². Estudos recentes, como os da Fiocruz, apontam para uma tendência de aumento nos casos de suicídio e autolesão, com destaque preocupante para o crescimento entre jovens e populações vulneráveis, como os indígenas ³. Essa realidade sublinha a urgência de tratar o tema de forma aberta e responsável.
Causas do suicídio
As causas do suicídio são complexas e multifatoriais, envolvendo uma interação de fatores psicológicos, sociais, biológicos e culturais. Transtornos mentais, como depressão, transtorno bipolar e abuso de substâncias, são importantes fatores de risco. Além disso, crises financeiras, perda de entes queridos, dores crônicas, isolamento social e exposição a violência ou discriminação podem aumentar a vulnerabilidade de um indivíduo.
Como vemos, o tema do suicídio não é um fenômeno recente, mas pode se intensificar em tempos de crise. Por isso, é fundamental que a questão seja tratada de maneira integral, cuidando da saúde física, emocional e, para muitos, da dimensão espiritual. A busca por ajuda médica e profissional qualificada, como psicólogos e psiquiatras, é um passo indispensável e corajoso no processo de cuidado e recuperação.
Lidar com o problema exige uma abordagem abrangente. A OMS recomenda estratégias por meio de sua abordagem “LIVE LIFE“, que inclui a restrição do acesso a meios letais, a promoção da saúde mental e a capacitação de profissionais para identificar e manejar comportamentos suicidas ⁴. É fundamental também combater o estigma associado aos transtornos mentais, incentivando a busca por ajuda.
A prevenção do suicídio é uma responsabilidade coletiva. Falar sobre o assunto de maneira empática e sem julgamentos, oferecer apoio e encaminhar para serviços especializados, como o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo número 188, são atitudes que podem salvar vidas.
FAQ: Perguntas Frequentes sobre a Bíblia
Quem foi o primeiro suicida da Bíblia?
A questão sobre quem foi o primeiro suicida da Bíblia aponta para a história de Abimeleque, conforme relatado no livro de Juízes, capítulo 9. Cronologicamente, este é o primeiro caso explícito de suicídio narrado nas Escrituras.
Após ser mortalmente ferido por uma mulher durante uma batalha, Abimeleque, para evitar a desonra, pediu ao seu escudeiro que o matasse com a espada, um ato que ele mesmo instigou para controlar as circunstâncias de sua morte.
Quem tira sua própria vida tem salvação?
Esta é uma das questões mais delicadas e teologicamente complexas. A Bíblia não oferece uma resposta direta e definitiva, mas a teologia cristã majoritariamente entende que a salvação é um dom de Deus, recebido pela graça através da fé em Jesus Cristo, e não por obras ou pela ausência de pecado.
Portanto, a discussão sobre se quem tira sua própria vida tem salvação foca na condição do coração da pessoa ao longo de sua vida de fé. Embora o suicídio seja considerado um ato trágico e grave, muitos teólogos argumentam que ele não anula automaticamente a salvação de um crente genuíno, pois é o ato final em um momento de extremo sofrimento e desespero, e não reflete necessariamente a totalidade da sua fé.
A questão sobre se suicídio na Bíblia tem salvação é, em última análise, deixada à soberania e misericórdia de Deus, que conhece o coração e as aflições de cada um. Da mesma forma, a pergunta se suicídio na Bíblia tem perdão é respondida pela crença no perdão total oferecido por Cristo na cruz, que cobre todos os pecados – passados, presentes e futuros – para aqueles que creem.
Quem se matou enforcado na Bíblia?
A Bíblia registra especificamente duas pessoas sobre quem se matou enforcado na Bíblia: Aitofel, o conselheiro de Davi que o traiu, e Judas Iscariotes, o discípulo que traiu Jesus. Ambos os atos foram motivados por desespero e remorso após perceberem as consequências de suas traições.
Enforcamento na Bíblia?
O enforcamento na Bíblia aparece principalmente como um método de suicídio nos casos de Aitofel e Judas. Além disso, a prática de pendurar ou enforcar corpos após a execução era uma forma de maldição e humilhação pública, como mencionado em Deuteronômio 21:22-23, um conceito que o apóstolo Paulo mais tarde aplica à crucificação de Cristo em Gálatas 3:13.
Quem são os homicidas na Bíblia?
Os homicidas na Bíblia são aqueles que tiram a vida de outra pessoa, cometendo assassinato. O termo se aplica a vários personagens, sendo Caim, que matou seu irmão Abel (Gênesis 4), o primeiro exemplo. Outras figuras notáveis incluem Moisés, que matou um egípcio (Êxodo 2), e o Rei Davi, que orquestrou a morte de Urias (2 Samuel 11). Embora o suicídio seja o ato de tirar a própria vida, o termo “homicida” é quase exclusivamente usado nas Escrituras para se referir ao assassinato de terceiros.
Qual parte da Bíblia fala sobre suicídio?
Não há uma única qual parte da Bíblia fala sobre suicídio. Em vez de um capítulo doutrinário sobre o tema, a Bíblia apresenta os casos de suicídio como narrativas factuais inseridas nos livros históricos. Os principais relatos estão em Juízes 9 e 16, 1 Samuel 31, 2 Samuel 17, 1 Reis 16 e Mateus 27.
Quais personagens da Bíblia tiveram depressão?
Embora a palavra “depressão” seja um termo clínico moderno, vários personagens bíblicos exibiram sintomas de profundo sofrimento emocional, desespero e angústia. Jó, em meio ao seu sofrimento, amaldiçoou o dia em que nasceu. O profeta Elias, após uma grande vitória, fugiu para o deserto e pediu a Deus que lhe tirasse a vida (1 Reis 19:4). Jeremias é conhecido como o “profeta chorão” por suas lamentações sobre o destino de seu povo. Muitos dos Salmos de Davi também expressam sentimentos de profunda tristeza e abandono, refletindo uma luta intensa contra o desespero.
Sansão cometeu suicídio?
A morte de Sansão é um caso complexo e debatido. Embora ele tenha realizado um ato deliberado que causou sua própria morte, o contexto é crucial. Sua ação final foi um ato de guerra contra os inimigos de Israel, os filisteus. Ele orou a Deus por força para realizar este último feito como juiz de seu povo. Por isso, muitos teólogos e leitores interpretam sua morte não como um suicídio motivado por desespero pessoal, mas como um ato de auto-sacrifício redentor para cumprir sua missão divina.
Onde Procurar Apoio?
Acima de tudo, é fundamental reconhecer que a vida é um dom precioso. Se você ou alguém que você conhece está enfrentando sofrimento emocional intenso, pensamentos de desesperança ou ideação suicida, saiba que não está sozinho e que, felizmente, há ajuda disponível. De fato, conversar pode salvar vidas.
No Brasil, por exemplo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e prevenção do suicídio de forma voluntária, gratuita e confidencial. Você pode ligar para o número 188 a qualquer hora do dia ou da noite, de qualquer lugar do país. Adicionalmente, a ligação é gratuita. Além do telefone, o CVV também oferece atendimento por chat e e-mail através do site oficial: www.cvv.org.br.
Referências
Organização Mundial da Saúde (OMS). (2021). Suicide worldwide in 2019: Global Health Estimates. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026643
The World Bank Data. (2021). Suicide mortality rate (per 100,000 population) – Brazil. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/SH.STA.SUIC.P5?locations=BR
Agência Fiocruz de Notícias. (2024). Estudo da Fiocruz aponta aumento de casos de suicídio e automutilação no país. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/estudo-da-fiocruz-aponta-aumento-de-casos-de-suicidio-e-automutilacao-no-pais
Organização Mundial da Saúde (OMS). (2021). LIVE LIFE: An implementation guide for suicide prevention in countries. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026629
Centro de Valorização da Vida (CVV). Como Ajudamos. Disponível em: https://www.cvv.org.br/

