O paradoxo da salvação: Entendendo a diferença crucial entre a Justificação e a Santificação
Esta é, sem dúvida, uma das questões mais profundas e recorrentes no cristianismo. Se a obra de Jesus Cristo na cruz foi completa e Ele pagou o preço por todos os nossos pecados (passados, presentes e futuros), por que, então, experimentamos a luta diária contra o pecado?
A resposta a este paradoxo reside na compreensão clara de que a salvação opera em duas dimensões distintas, mas inseparáveis: a Justificação e a Santificação. Entender a redenção é o ponto de partida para essa compreensão.
A Bíblia nos ensina que, pela fé em Cristo, fomos libertos da penalidade do pecado (condenação), mas não imediatamente da sua presença e poder em nossos corpos mortais. Por conseguinte, a luta continua porque ainda habitamos em corpos caídos, num mundo caído, e enfrentamos a nossa velha natureza.
1. A Justiça de Cristo: O Fim da Penalidade (Justificação)
A justificação representa o que Deus fez por nós. É um ato legal e único de Deus onde Ele declara o pecador justo, baseado unicamente no sacrifício de Cristo. A justificação é instantânea e perfeita.
A. O Que a Justificação Conquista:
- Remoção da Culpa: Jesus levou sobre Si a ira de Deus e a penalidade máxima que o pecado exigia. Em outras palavras, Ele satisfez a justiça de Deus. Portanto, para o crente, não há mais condenação (Romanos 8:1).
- Imputação da Justiça: Deus não apenas perdoa os nossos pecados, mas, além disso, Ele nos veste com a justiça perfeita de Cristo. O crente não está mais em débito; ele está creditado com a justiça de Cristo.
- Novo Estado: A justificação muda o nosso estado (nossa posição legal) diante de Deus. Não somos mais inimigos, mas sim filhos (Romanos 5:1).
Com efeito, quando pecamos como cristãos, não perdemos nossa justificação (nossa salvação), pois ela é um dom gratuito de Deus, conforme a Sua graça. Entretanto, isso não nos dá licença para pecar, pois a nossa atitude em relação ao pecado é o que diferencia o crente verdadeiro de um mero professo.
2. A Luta do Crente: O Processo contra o Poder (Santificação)
A santificação representa o que o Espírito Santo faz em nós e o que somos chamados a fazer em resposta. É um processo contínuo que começa na conversão e só termina na morte ou no retorno de Cristo.
A. Por Que o Processo é Necessário:
A Justificação (o ato) nos liberta da penalidade do pecado; a Santificação (o processo) nos liberta do poder e do domínio do pecado. A luta persiste por causa de três forças, conforme o ensino bíblico:
- A Carne (A Velha Natureza): O apóstolo Paulo descreve a batalha interna entre a nossa nova natureza, que deseja agradar a Deus, e a carne (a natureza humana decaída), que ainda se inclina para o mal (Romanos 7:14-25). O crente sente a dor deste conflito, que é a prova de que o Espírito Santo está ativo dentro de si.
- O Mundo: As pressões culturais e a influência do sistema deste mundo nos incentivam constantemente ao egoísmo e à rebelião contra Deus. O crente vive, assim, numa tensão constante entre o Reino de Deus e os valores mundanos.
- O Diabo: Satanás, o adversário, ataca o crente com tentações e acusações. Por isso, a Bíblia nos exorta a estarmos vigilantes e a usarmos toda a armadura de Deus.
Portanto, continuamos a pecar porque a santificação é progressiva. O Espírito Santo nos capacita a dizer “Não” ao pecado com mais frequência, mas a perfeição moral completa só se atinge na glorificação, quando recebermos novos corpos e estivermos livres da presença da carne pecaminosa. A santificação diária exige esforço e dedicação.
3. A Resposta do Crente: Lutar e Confessar
Se Jesus já pagou o preço, qual é o papel do crente? O crente deve responder à graça de Deus com luta ativa contra o pecado e confissão imediata quando peca. O perdão de Deus é eterno, mas a comunhão do crente é afetada pelo pecado. Por conseguinte, a confissão restaura o relacionamento, não a posição legal.
A. Luta Ativa (Mortificação da Carne):
O crente deve ativamente mortificar a sua carne, ou seja, sufocar os desejos pecaminosos e fazer escolhas que honram a Deus (Romanos 8:13). Isto implica buscar a força no Espírito Santo, através da oração e da meditação na Palavra. O crente não é mais escravo do pecado; o pecado não tem mais domínio sobre a sua nova natureza. O cristão deve exercitar essa liberdade que lhe foi dada por Cristo.
B. Confissão e Restauração:
Quando um crente peca (e a Bíblia afirma que “se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos” – 1 João 1:8), o caminho é o arrependimento e a confissão. Sendo assim, a Bíblia oferece a garantia: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1:9). O perdão é garantido. A confissão restaura a comunhão e a alegria da salvação, embora a justificação (a posição legal) nunca tenha sido perdida.
Em conclusão, a razão pela qual ainda pecamos, apesar da morte de Jesus, é porque a obra da salvação é uma obra de dois estágios: a Justificação é o ato completo e final que resolve a nossa dívida; a Santificação é o processo de uma vida inteira onde o Espírito Santo, por meio da nossa fé e obediência, nos liberta progressivamente do poder do pecado, transformando-nos à imagem de Cristo.
O cristão vive com a paz da justificação e o processo da santificação (Filipenses 3:12). O crente pode, todavia, ter a certeza que a vitória final pertence a Cristo e aos Seus salvos.

